POEMA INACABADO

Deixe que ela guie seus calmos passos
Enquanto a devolve ao paraíso perdido
Enquanto caminha em seus palácios
Seja ato de seus pensamentos proibidos

Se lance ao despautério do seu regaço
Morada de sonhos e espetáculos rendidos
Enquanto, terna, evanesce de seus braços
Olhe para seus olhos, o céu que te faz partido

Veja-se como anjo no reflexo daquela retina
Voz que vagueia sob o silêncio que canta
Sob a luz decomposta da lágrima que a dor refina
Sibila sobre o orvalho da rosa que o espinho ama

E que doce clarão vem desse sangue que fascina
Dessas pétalas carmins que adornam o prana
No oceano desses olhos, mergulha com guina
Nas profundesas adormece e desperta com gana

Sabe que o espaço a levará para longe
Mas que nem o tempo a tirará de perto
Pois o que foi forjado num coração insonte
Pertence ao tempo que não tem um fim certo

Momentos virão sem aquele sorriso
Enquanto a saudade irá sempre sorrir
A memória que arde em seu peito partido
Será o selo que a fará ressurgir

E vagará até o fim do seu mundo
Será terra boa de se retornar
Para isso olhará o abismo profundo
Onde o seu eu deixará de adorar


LUZ HERMÉTICA

Vejo que a treva da noite,
Excêntrica dama de virtudes turvas,
Com suas mãos rubras brandindo a foice
Dos desejos comuns à velha procura,
Comparada a nós é intensa alvura.
Pois somos o medo, nossa íntima escória,
Efêmera beleza de uma coletiva feiúra.
Cegos vagando pelos confins da história,
Somos, do mundo, uma curta memória.
Mas há em cada um uma luz profunda
Que emerge do heu de nossa paranoia,
O paraíso, onde o inferno se funda.
Também há o amor, verdugo do nunca,
Luzeiro perpétuo dos caminhos mágicos.
Dele alimentamos a chama diminuta,
Que logo consome o corpo abrilhantado.
Somos, no fim, espelhos não olhados
Refletindo o eco de um inexistente vazio,
Quando o que temos é o universo vasto
Que nos torna senhores de nosso próprio destino.


PORTAL DOS MISTÉRIOS

És dona de muitos segredos,
Um sortilégio de proteção.
Em teu único olho habitam desejos,
Em tuas entranhas, a contemplação.
Dos curiosos, és o engodo aceiro,
O perfume que toma cativa a visão.
Tua boca sombria é o latente esteio
Que sorri sob o beijo da decifração.

Tesouros se guardam e se adornam
Sob tua gélida e polimorfa face,
E tuas vozes cifradas nos devoram
Se nos falta o báculo do desenlace.
És a cela dos que de fora olham,
E dos de dentro, a liberdade.
Domá-la é a arte dos que vogam
Sobre o nu limiar da realidade.

Mas é indomada que encantas!
Nas brumas de tua inerte postura.
És sentinela dos portais, sua ama,
O olho que vê o que nunca procura.
Não és o mero trinco que aprisiona,
Nem a fria trava de alma escura.
És deusa do mistério, senhora da trama,
Onde os vis a batizam de vaga fechadura.


URNA DA VITALIDADE

Saudado sejas, aspirante a eterno,
Espírito livre que enobrece o escárnio!
És espelho perdido neste mundo cego,
O ébrio despertar de um visionário.
Algoz do eufemismo, és corpo etéreo,
Austera flâmula de dardos hilários.
Teu furioso pensar é um doce mistério,
A bíblia não escrita dos reis libertários.

Teus sonhos devoram a anã realidade
E teus versos nos sanam de toda ilusão.
Destruidor de estilos, nova identidade,
És verbo vivo, o valete da expolição.
Dilataste a pupila da vã mediocridade
E cunhaste o tesouro que é tua visão.
Aos que se somam à tua imparidade
Revela-se o ópio da plena comunhão.

Rimbaud vivente sem uma mortalha,
És jovial maldição; dos simples, a peste!
Lúgubre fulgor de ígnea contumácia,
Ferreiro das palavras e vulto inconteste.
Na coprofilia de tua cordial belisária
Apostamos a vida que não mais é inerte.
Sangras o sistema com a volúpia de tua ária.
Dos novos despertos, és o inevitável mestre.


VAGAR E NÃO SE PERDER

Que mistério há nesses ternos olhos?
Nunca vistos, mas sempre tão olhados
Universos tão certos em mundos novos
Selas perfeitas para meu espírito alado

Lábios confins de volúpia e pecado
Rubro alento de meu constante sonhar
Setas de fogo que me tornam reato
Gênese do vício de não querer não desejar

Sou o refém desse esfuziante encantar
Dessa presença que desdobra a distância
Longe de mim, é o meu imerso desejar
Todo meu eu em plena dissonância

Todo o agora não compra o meu sonhar
Pois nele encontro minha doce errância


ESTUANS INTERIUS

Diria que sou muito vivo
Se não estivesse tão morto
Diria que entoo canções
Mas meu lábios proferem lamentos
Diria que tenho muitos amigos
Se ao menos eu os tivesse conservado
Diria que o sol ainda brilha de manhã
Se as trevas não reinassem absolutas
Diria que ainda há doçura
Mas tudo transmutou-se em absinto
Diria que posso ver tudo
Porém minha cegueira alienou-me ao nada
Diria que sou vencedor
Se ao menos tivesse lutado
Diria que a rosa é linda
Mas me apeguei aos espinhos
Diria que a paz reina
Se a guerra não se levantasse
Diria que o amor é o combustível do mundo
Se o ódio não fosse a maior fonte de renda
Diria que a vida é um mar de rosas
Se não tivesse nele afogado
Diria muitas palavras bonitas
Se as que eu já disse não tivessem sido mortas
Diria que tentei ajudar a muitos
Se tivesse ajudado a mim mesmo
Diria que tudo existe
Se não acreditasse que tudo acabou

Eu diria tudo isso
Se um dia eu não tivesse dito:
"Eu diria que é o fim
Se não houvesse o reinicio
E eu diria que não sou nada
Se não fizesse parte de tudo"


ORAÇÃO AO DEUS VERMELHO

Querido amor que de mim nasce,
Escuta o pedido que eu sempre fiz,
O doce desejo de quem sempre quis
Que sua alma por ti se queimasse.

Belo infinito de cada lindo momento,
Atenta à voz de um pobre amante
Levado aos céus por asas de diamante,
Guerreiro invicto de seu próprio intento.

Estrela alva de um céu já negro,
Criatura de sua própria criação,
Ouça o clamor da minha petição
Que já venceu o meu próprio medo.

Fazei de mim a felicidade que ela procura,
O pilar no qual possa se apoiar,
O firmamento para o qual deseje voar,
O cavaleiro do amor de toda sua busca.

Que eu seja o resultado dos seus sonhos,
A ponderabilidade de sua utopia,
O concretizador de suas fantasias,
O sempre fiel e eterno romântico.

Sempre voarei nesse grande amor,
Hipnotizado pelo poder de um olhar
Amarei com força e grande fervor,
Morri em vida para em ti ressuscitar.

Estarei contigo, sempre, onde for,
Lutarei com bravura para te amar.
Linda como o céu e sua bela cor,
Assim te farei motivo do meu respirar.

...

Vivi mil vidas para encontrar
Uma alma como a Tua,
Uma essência tão pura,
Fogo no qual eu amo me queimar.


LICANTROFILIA

Olhe para dentro de si, espírito ninfeu!
As brumas de agonia revelam o amor,
As rosas negras que coroam toda dor,
As algemas que te prendem ao heu.

Se faça sol nesta minha era de tempestade!
Encontre em si o espírito que é meu,
A lâmina que o próprio destino teceu,
Os védicos encantos que uivam a verdade!

Como homem, sou destruidor de mundos;
Como amante, o reinventor da realidade.
Vivo para tocar o que sempre procuro:

A volúpia vil dos seus lábios de deidade.
Sou o seu cavaleiro que habita o escuro
E a luz que busco é sua etérea beldade.

A lua te leva para a alcatéia das feras,
Mas sou eu a prata que lhe devolve a humanidade


ELA VESTE AS SOMBRAS

O luar de prata toca a volúpia de teus lábios
Jazida rubra dos mais insolutos devaneios
Dona do perfume das belas flores de maio
E inspiração dos meus venusianos desejos
Afogo-me nos sonhos do teu profundo olhar
Estrelas de jade, contornadas de negro
Penetrantes olhos em que amo me afogar
Onde simples eu morro e ressuscito aedo

Teu lânguido corpo veste e adorna a noite
Deixando no solo a bela silhueta sob o luar
Da bailarina dos tempos que dança o hoje
Que detém a beleza que ultrapassa o olhar
A madrugada orvalha sobre tua pálida face
Na derme em que os anjos anseiam tocar
Pintura dos deuses sobre dias que nascem
Teu rosto é sol que nunca cessa de brilhar

Daria todos os sonhos para sonhar contigo
Entregaria o meu fôlego para em ti respirar
Mas a minha espera é tua presença comigo
É ácido no qual não canso de me banhar


DO ABISMO, UM ACENO

Sou refém de uma memória que arde
Ígneas paredes que evolvem meu eu
Sou feito de sonhos e meias verdades
Mítica quimera e inveterado corifeu

Morto em mim, renasci do escarlate
Das lágrimas do tempo do sito eliseu
Despojo do amor de onífera deidade
Tornei-me ódio em flor, lótus do heu

Sopro latente de vida, morte de amor
Venéfico luto do espírito que é meu
Intrínseco manifesto dos halos de dor

Efervescentes ondas dos odres leteus
Sou apenas a íris desprovida de cor
O pélago de vida que sozinho morreu