O CAVALEIRO NEGRO - CORO I

Um longo caminho a seguir no nada
O desconhecido no tenro horizonte
A busca da verdade que nunca é encontrada
A lisonjeira passagem que antevê o ontem

As noites vêm e o dia parece ter morrido
As folhas e flores lançaram-se dos galhos
A lua de prata exibe um frígido sorriso
Não há mais estrelas nesse céu nefasto

Um vendaval de dúvidas secas assovia
Cantando sobre o chão de ossos dilacerados
O espetáculo do medo, de longe se cria
E de perto se vê sonhos sendo devastados

Pétalas mortas sob o orvalho de sangue
Adornam as ruas de um lugar macabro
Têm em sua fragrância um vazio tirante
O perfume do espírito do corpo exilado

Sombras caminham na ausência de corpos
Vozes são ouvidas dessoando o sentido
O solo coberto pelas cinzas de mortos
Oculta as feridas de tempos esquecidos

Olhos doces cegariam-se com o medo
Espíritos assintáticos se esvaeceriam
Mas estes são olhos do Cavaleiro Negro
Que aqui nada temem, apenas apreciam

Olhos de jade, funestos, porém célicos
Escarlatados pelo choro rubro da carne
Janelas da alma de um espírito cético
Esferas da noite, regeladas obras de arte

O tilintar do metal negro canta os passos
Daquele que veste sua eterna escuridão
Não é mais uma mera armadura de aço
Trata-se de sua pele, a epiderme do dragão

Reza a lenda que nele não há passado
Os oráculos desconhecem o seu futuro
O seu presente é o eterno tempo fadado
A buscar a verdade, vagando no escuro


NO VAU DO RIO EU

Ser diferente nunca esteve tão em voga como ultimamente, e em todos os sentidos, seja na forma de se vestir, na sexualidade, na forma de pensar (ou moldar o pensamento), no vocabulário, no comportamento ou na estética. Há uma crescente necessidade de cindir do convencional e do padrão vigente.  É uma era de descoberta da autenticidade, poder-se-ia dizer. Mas não estaria este fenômeno de busca pelo contraste culminando no surgimento de iguais, só que diferentes (é, eu sei que fica estranho)? Um efeito ampulheta, por assim dizer? E onde vai parar a identidade neste processo?

É claro que a ideia de se destacar da maioria é encantadora. Quem é que não quer ser notado? E quem quer ser confundido? O problema está no mimetismo através do qual costuma-se pensar estar alcançando a autenticidade, algo como:  “Pô! Aquele cara tem estilo autêntico pra caralho! Onde será que ele consegue essas roupas? Onde corta o cabelo? Quais os livros que deve ler? E será que lê? Que músicas deve curtir?” Daí o sujeito vai lá e se fantasia com a autenticidade do outro, sai do mainstream e salta de ponta na aspereza (agora pomposa) do underground. E viva la vida! Da noite para o dia aprende-se a gostar de literatura de esquerda, contra-cultura, música da vibe, defender (com aspas, por favor!) as minorias, drogar-se (não critico o hábito, mas critico ferrenhamente o uso indiscriminado por mera recreação, afinal, como já disse Huxley, o mundo exige de muitos um paraíso artificial), frequentar lugares com mais pessoas “autênticas” etc. Cria-se um check-list para ingresso à “autenticidade”. É claro que estas mudanças variam.

Voltando ao efeito ampulheta, percebe-se, nesse movimento, que emerge uma nova massa de iguais (mainstream underground?), de identidades fragmentadas e dependentes, espelhos e tão somente. Até mesmo o mercado já percebeu esta tendência, tanto que há cool hunters em todo o mundo, escrutando o que o jovem “diferente” quer vestir, usar, ler e ouvir. O que começa como uma sede de mudança termina em uma intrincada e homeostática rede lutando – inconscientemente – para tomar o lugar do convencional e, no processo, se tornar um outro convencional.

A verdade é que devemos nos livrar dos padrões (o marginal ou convencional), quebrar paradigmas e nos alforriar de tendências estéreis e ideologias espúrias. Deixarmos de desejar ser e tão somente sermos, sem as lúgubres algemas moralistas e as eufóricas mordaças pseudo-marginais. O ponto é este: SER. Sem ligar para o olhar do sentinela que é o outro e sem olhar o outro com juízo de valor e preconceitos: eis a gênese da liberdade. Todos somos autênticos, únicos – um universo próprio – mas ainda estamos sob a cortina rota do sistema ou sob a máscara púrpura do construto rebelde. E rebelar é preciso, revolucionar é preciso, claro! Mas isso exige uma verdadeira atuação, fora das cortinas e longe das máscaras. Podemos fazer o maior espetáculo da terra, sem representações, personificando o mais difícil papel de todos os tempos, o de nós mesmos. Ser diferente é isso: apenas ser.