LEIA-SE

Sangraste teus ternos olhos doces
Fitando a imensidão de um escuro impenetrável
Enquanto tua face pálida, quase sem sangue
Enrugava um sorriso pelo prazer do inalcançável
Salientaste no etéreo aquilo em que confias
Deixando clara a evidência do irrefutável

O mundo vazio da inércia passiva
Viu-se sem forças para continuar sendo
Pois, no silêncio noturno, tua voz se ouvia
Recriando o espetáculo de um Eterno vivendo

O tempo cristalizou-se em volta de ti
Quando quebraste a prisão que fizera
Tornando tudo aquilo que um dia já foi
Em peixes já mortos no lago das eras
Renasceste de onde jamais pensaria
E transformaste a dor em palavras singelas

Muito mais do que teu mero eu mudou
No momento em que vislumbrava-se com trevas
E se refugiava no lado quente da aurora
Remodelaste vidas e tudo que havia nelas

Agora que descansas ao som do nada
Sabes que o nada é algo que nunca descansa

Aprendeste que o sangue que choravas
Tornou real a ausência da desesperança

Antes teu sonho do que minha realidade


AO DEUS INTERIOR

Revigore-se, alma! As sombras, nas quais se deita, aos poucos se dissipam, enquanto a luz que te deixara - quando dela mais precisava - perde sua última centelha. Este cálice de dor que hoje prova é o gral por meio do qual sua essência se lapida, é o espelho delineador de sua real e significante não-aderência. Absorva, pois, todo este "mal" que te consome! Consuma-o e faça com que as forças que aparentemente lhe causam dor tornem-se suas aliadas, seu arsenal! Incinere-se de si mesma e reconheça o elemento cinza para o qual não tardará a voltar, reconheça a vaga lembrança que te devolve ao Éden, o inegável olvido que lhe apresenta o inferno e o caminho do meio que te remete à verdade! Acorde, intangibilidade do meu eu sólido! Olhe para o mundo em que - inconscientes - todos se perdem e veja que a dor, da qual seu âmago se farta, nada mais é que um simples grão de areia da já pútrida praia da vida! Volte-se ao silêncio, onde todas canções versam a verdade, ao cemitério de razões que ressuscitam toda a real essência! Transcenda, crie, recrie, renasça! Que o mundo à sua volta tente cegar este seu escafandro de carne! Mas que sua luz - invisível aos que superficialmente enxergam - leve-me ao instante do tempo onde todo universo se fará visível ao me contemplar por dentro! E que, ao sonhar, eu perceba que é ali o lugar onde estarei, de fato, verdadeiramente acordado!

Aqui o sorriso se esboça...