NO VAU DO RIO EU
Ser diferente nunca esteve tão em voga como ultimamente, e em todos os sentidos, seja na forma de se vestir, na sexualidade, na forma de pensar (ou moldar o pensamento), no vocabulário, no comportamento ou na estética. Há uma crescente necessidade de cindir do convencional e do padrão vigente. É uma era de descoberta da autenticidade, poder-se-ia dizer. Mas não estaria este fenômeno de busca pelo contraste culminando no surgimento de iguais, só que diferentes (é, eu sei que fica estranho)? Um efeito ampulheta, por assim dizer? E onde vai parar a identidade neste processo?
É claro que a ideia de se destacar da maioria é encantadora. Quem é que não quer ser notado? E quem quer ser confundido? O problema está no mimetismo através do qual costuma-se pensar estar alcançando a autenticidade, algo como: “Pô! Aquele cara tem estilo autêntico pra caralho! Onde será que ele consegue essas roupas? Onde corta o cabelo? Quais os livros que deve ler? E será que lê? Que músicas deve curtir?” Daí o sujeito vai lá e se fantasia com a autenticidade do outro, sai do mainstream e salta de ponta na aspereza (agora pomposa) do underground. E viva la vida! Da noite para o dia aprende-se a gostar de literatura de esquerda, contra-cultura, música da vibe, defender (com aspas, por favor!) as minorias, drogar-se (não critico o hábito, mas critico ferrenhamente o uso indiscriminado por mera recreação, afinal, como já disse Huxley, o mundo exige de muitos um paraíso artificial), frequentar lugares com mais pessoas “autênticas” etc. Cria-se um check-list para ingresso à “autenticidade”. É claro que estas mudanças variam.
Voltando ao efeito ampulheta, percebe-se, nesse movimento, que emerge uma nova massa de iguais (mainstream underground?), de identidades fragmentadas e dependentes, espelhos e tão somente. Até mesmo o mercado já percebeu esta tendência, tanto que há cool hunters em todo o mundo, escrutando o que o jovem “diferente” quer vestir, usar, ler e ouvir. O que começa como uma sede de mudança termina em uma intrincada e homeostática rede lutando – inconscientemente – para tomar o lugar do convencional e, no processo, se tornar um outro convencional.
A verdade é que devemos nos livrar dos padrões (o marginal ou convencional), quebrar paradigmas e nos alforriar de tendências estéreis e ideologias espúrias. Deixarmos de desejar ser e tão somente sermos, sem as lúgubres algemas moralistas e as eufóricas mordaças pseudo-marginais. O ponto é este: SER. Sem ligar para o olhar do sentinela que é o outro e sem olhar o outro com juízo de valor e preconceitos: eis a gênese da liberdade. Todos somos autênticos, únicos – um universo próprio – mas ainda estamos sob a cortina rota do sistema ou sob a máscara púrpura do construto rebelde. E rebelar é preciso, revolucionar é preciso, claro! Mas isso exige uma verdadeira atuação, fora das cortinas e longe das máscaras. Podemos fazer o maior espetáculo da terra, sem representações, personificando o mais difícil papel de todos os tempos, o de nós mesmos. Ser diferente é isso: apenas ser.
A DANÇA DAS FORMIGAS BRANCAS
É verdade que vago.
Os caminhos são
as mesmas e velhas
novas tentativas.
Mas me encontrar é raro,
pois caminho com
pernas que (estranho...)
não são as minhas.
Mesmo sabendo, não paro.
Não posso.
Não me deixam.
É a regra-mor da grande partida,
do jogo veloz de um mundo raso.
Trazem-me loucura,
quando vislumbro a sanidade,
quando vejo a afável mentira.
Daí retorno-me ao casco,
onde posso ser louco
sem que assim me chamem.
De volta à estúpida família!
E como ser esfera num mundo de dados?
Como se tornar ex-fera?
Como ter uma única face?
Como ser, da massa, a ilha?
E é por isso que vago.
A esmo, dou-me à sorte.
Com um pontapé no super-ego,
desvencilho-me da trilha
e enveredo-me, alado.
Trafego as estrelas
sem perguntar os seus nomes
e dispenso qualquer guia.
Me perco em seu leito vasto,
copulo com o infinito
na esperança (vil)
de gerar a fantasia.
Nela, retomo meus passos.
Olhos despertos
e mente escancarada.
Faço do eu a minha própria dinastia.
É bem verdade que vago.
Governo o reino
de nenhum súdito,
o vilarejo da selva da vida.
Sou, do universo, o dardo
lançado pelo tempo,
seta em movimento
sem volta, nem ida.