LEIA-SE

Sangraste teus ternos olhos doces
Fitando a imensidão de um escuro impenetrável
Enquanto tua face pálida, quase sem sangue
Enrugava um sorriso pelo prazer do inalcançável
Salientaste no etéreo aquilo em que confias
Deixando clara a evidência do irrefutável

O mundo vazio da inércia passiva
Viu-se sem forças para continuar sendo
Pois, no silêncio noturno, tua voz se ouvia
Recriando o espetáculo de um Eterno vivendo

O tempo cristalizou-se em volta de ti
Quando quebraste a prisão que fizera
Tornando tudo aquilo que um dia já foi
Em peixes já mortos no lago das eras
Renasceste de onde jamais pensaria
E transformaste a dor em palavras singelas

Muito mais do que teu mero eu mudou
No momento em que vislumbrava-se com trevas
E se refugiava no lado quente da aurora
Remodelaste vidas e tudo que havia nelas

Agora que descansas ao som do nada
Sabes que o nada é algo que nunca descansa

Aprendeste que o sangue que choravas
Tornou real a ausência da desesperança

Antes teu sonho do que minha realidade


O CAVALEIRO NEGRO - CORO I

Um longo caminho a seguir no nada
O desconhecido no tenro horizonte
A busca da verdade que nunca é encontrada
A lisonjeira passagem que antevê o ontem

As noites vêm e o dia parece ter morrido
As folhas e flores lançaram-se dos galhos
A lua de prata exibe um frígido sorriso
Não há mais estrelas nesse céu nefasto

Um vendaval de dúvidas secas assovia
Cantando sobre o chão de ossos dilacerados
O espetáculo do medo, de longe se cria
E de perto se vê sonhos sendo devastados

Pétalas mortas sob o orvalho de sangue
Adornam as ruas de um lugar macabro
Têm em sua fragrância um vazio tirante
O perfume do espírito do corpo exilado

Sombras caminham na ausência de corpos
Vozes são ouvidas dessoando o sentido
O solo coberto pelas cinzas de mortos
Oculta as feridas de tempos esquecidos

Olhos doces cegariam-se com o medo
Espíritos assintáticos se esvaeceriam
Mas estes são olhos do Cavaleiro Negro
Que aqui nada temem, apenas apreciam

Olhos de jade, funestos, porém célicos
Escarlatados pelo choro rubro da carne
Janelas da alma de um espírito cético
Esferas da noite, regeladas obras de arte

O tilintar do metal negro canta os passos
Daquele que veste sua eterna escuridão
Não é mais uma mera armadura de aço
Trata-se de sua pele, a epiderme do dragão

Reza a lenda que nele não há passado
Os oráculos desconhecem o seu futuro
O seu presente é o eterno tempo fadado
A buscar a verdade, vagando no escuro


NEM SEMPRE A MARGEM É SÓLIDA

Inconspícuo, dou-me a mim.
Aqui, do olho do furacão,
O ébrio vórtice da multidão
Conserva-me só. Simples assim!

Plácido, sou eixo da destruição,
Insone estátua carmesim.
Do não, o amante; eco do sim,
A inconsciente desfibrilação,

Qual entusiasta do fim.
Escriba da lauda-destinação,
Potência e ato em rebelião,
Fera muda soprando o clarim.

Move-se furiosa a centrífuga mordaça.
Movimento é vida, ser arrastado é sinal de morte.