DO ABISMO, UM ACENO

Sou refém de uma memória que arde
Ígneas paredes que evolvem meu eu
Sou feito de sonhos e meias verdades
Mítica quimera e inveterado corifeu

Morto em mim, renasci do escarlate
Das lágrimas do tempo do sito eliseu
Despojo do amor de onífera deidade
Tornei-me ódio em flor, lótus do heu

Sopro latente de vida, morte de amor
Venéfico luto do espírito que é meu
Intrínseco manifesto dos halos de dor

Efervescentes ondas dos odres leteus
Sou apenas a íris desprovida de cor
O pélago de vida que sozinho morreu


PRIMEIRA VEZ

Do acaso à retina, o flamejar do teu eu
Chama que cega enquanto as vendas tira
Vestida de fogo, quem queimava era eu
Na púrpura presença de uma deusa ninfa
Quimera deiforme, tão bela e magnífica
Cujos lábios fizeram sedentos os meus
No teu olhar de Vênus, o meu se perdia
Meus olhos morriam e reviviam nos teus

E mudo ficava só para ouvir tua canção
A melodia das formas daquele apogeu
Só ouvia tua beleza e o bater do coração
De um poeta e a poesia que nunca teceu
Ansiava segurar a fortaleza de tuas mãos
Provar do fulgor de teus lábios ninfeus
Teus olhos de náiade pareciam dizer não
Mas meu corpo ordenava a busca do teu

Anjo de voluptuosas curvas inesquecíveis
De doce falar e de torneadas maestrias
Silhueta febéia das mais belas hamadríades
Espelho do belo, beladona que inspira
Se ontem te vi, para sempre te quero
És a senhora de minha sublime epifania


PROFUNDA LINHA MORTAL

Címbalos ígneos das ninfas de Tânatos
Órficos sortilégios de melífluos corações
Névoa que desabrocha a lótus no pântano
Quimera dos poetas que choram ilusões
Unóculo instinto que concretiza o sonho
Imo canto de sereia que encanta dragões
Serás, para sempre, o devaneio sem sono
Titã do espírito dos que respiram paixões
És o silêncio da nua brisa que beija o mar

Mélico esplendor que redefine a criação
Estrela fulmínea que não cessa de brilhar
Ultriz realeza, senhora de toda emoção
Antes de ti, o que existe nunca existiu
Míope vivência em um estado de dor
Onde as cores, há tempos, nunca se viu
Reintegra-se vida, reinventa-se o amor


Foto desfocada de mulher realizando pose circense com tecido

Um Domingo Qualquer

Até então, aquela beleza não tinha nome
Era luz de um sonho ainda não sonhado
Vista de longe, já era fogo-que-consome
Contemplada de perto, era anjo encarnado
Farol, cujo (meu) juízo lançou para longe
Estrela carmim que queimava ao meu lado
Nos loucos sonhos em que a bela não some
É hoje o mistério que decifra o meu passado

Dríade dos meus olhos, memória que arde
Sinfonia de fogo que aquece meu coração
Do meu castelo de amores já é estandarte
A deusa e rainha dos meus reinos de ilusão
É dela que vem o olente ar que me invade
Que me acende os desejos e apaga a razão
É a ninfa mais bela, minha linda liberdade
O afiado olhar que é minha singela prisão

E por ela já nascem os mais loucos desejos
É ela o abismo em que não paro de cair
Os ígneos sonhos que me iludem seus beijos
É a recíproca saudade que não vai esvair

Nela me encontro e em seus olhos me perco
Na via dos sonhos, faz ela o meu soneto
Não durmo de novo até que a tenha ao meu lado
Que os sonhos que ela habita, os sonhe todos acordado


Mulher sorrindo em desfoque

A Yuras, a ninfa amazona

— Epifânico! - jubila-se meu íntimo
É que a aurora centelhou seu fogo
Eis o anjo que me devolve ao todo
A pira que me livra do medo ínfimo

Panaceia da memória dos meus ais
Você é, dentre todas, absoluto arrimo
Da geografia deste espírito, o cimo
Fôlego que, aos beijos, me inspira vendavais

Seu toque urente, em minha pele arde
Dos seus lábios, os meus pedem mais
Pois fez de mim seu amante salaz
Cuja volúpia já é minha arte

Sou sua morada e você é o meu castelo
No bis das horas é minha terna novidade
Voz que se anuncia tão cedo quanto tarde
Nas paredes inócuas desse pesadelo tão belo

(Re)sinto os solfejos vindos da minha alma
Ao gozar da gênese deste façanhoso elo
Ao enxergar seu rosto, mesmo quando cego
Ao ver em seus olhos a virtude que acalma

Percebo agora que o medo que eu sinto
É da indizível coragem que me embriaga
Da certeza que sinto em seu falar de maga
De quando me perco em seu olhar-labirinto

Te toco como um músico virtuose
Interpretando a sinfonia de uma vida
E em cada nota, reinvento um toque
Assim nossa partitura se orna em dita

Rogo-lhe que me ensine a voar não tendo asas
Que, aos poucos, me inspire canções desveladas
E que seu laço me ensine a amar sem amarras