ELA ABRIL O QUARTO DIA
Olhar esses teus ávidos olhos
É acastanhar a superfície do mar
Onde os meus, reféns desejosos,
Nadam nus e anseiam mergulhar
É erigir estrelas e nelas caminhar,
E afortunar-se da plena certeza
De que és mundo para o qual voltar
E fruir a paz em tua beleza
E ainda há essa boca eleita,
Cujos beijos são como sonhar
Com a cena mais que perfeita
Que faz querer jamais despertar
Na tua língua é que quero ficar
Para me perder em beijos gulosos,
Ganhar teu desejo e esquecer o ar,
Respirar teus toques sinuosos
Gracioso é tudo que há em ti
Raro íntimo e fantástico externo
A tua voz é a ária que quero ouvir
Ziguezagueando em meu universo
Invisto a chama que a ti entrego
E dou-me ao fogo da tua acolhida
Logo, são tuas curvas que quero
As do teu corpo e as da viagem da vida
GRAALV ENTRE BALADA E BALAS
Superpopuloso de borboletas,
Meu estômago sente o frio
Refletido do doce arrepio
Que me dão seu olhar e silhueta.
É bem por isso que eu surrupio
Beijos quentes de seus lábios
E languidez de seus abraços,
Ainda que a distância seja pavio.
Na minha linha, você já é laço,
Estranha e premente saudade.
Desejar você é meu compasso
Na balada que é sua beldade.
Ao seu peito, de bala me faço!
O tiro que devolve sua metade.
CURRAL DEL REY
Sem essa desculpa
De distância, de espaço!
Ainda que não olhe nos seus olhos,
Perco-me, me achando no seu abraço.
Quilômetros de ar,
Eu mesmo desfaço!
São milésimos de milímetro para
Lábios que são fogo em embaraço.
É um trem estranho,
Esse de te querer,
Sabe?
Esses olhos castanhos
Que quero saber
Se no meu verde cabem.
NAS FRONTEIRAS DE SEORF
Ela e sua doce virulência...
Nem ao menos a vi, sei,
Mas, no leito da inconsciência,
Seu corpo vivi, seus lábios beijei.
E que bela boca! Nela obsedei.
Proscênio dos meus sonhos
E ária que eu ainda não cantei:
A verve dos meus demônios.
Um anjo de olhos risonhos,
Tem sido vício preternatural.
Ela é, e eu sonho que somos,
Afinal a quero no mundo real.
Não há exagero nisso que falo,
Ela que é desejo que beira o irreal.
ENSAIO II: SOZINHO?
Embora o seu digital acusasse a aproximação da nona hora da manhã e o seu estômago já reivindicasse, grunhindo e se contraindo, o desjejum, ainda era noite. Um extenso e perfurado véu negro ainda se espraiava sob aquele céu austral. Lembrava com estranheza de que, há alguns dias, ouvira um louco e seus séquitos gritarem coisas sobre “noite eterna” e “fim dos dias” em meio a uma pavorosa folie en famille glossolálica. Persignou-se ao se lembrar disso, apesar de nunca ter acreditado naquela coisa toda de céu, inferno e nós na fronteira entre eles. Sua única companhia – assim ela achava – era uma coriza insistente que vez ou outra deixava vestígios de um perfume adocicado salpicarem-lhe o nariz, o que a assustava bastante, haja vista a rodovia deserta que seguia há mais de vinte e tantas horas.
ENSAIO I: SOZINHO NÃO É UMA OPÇÃO
Cravou os dentes sobre o próprio braço ao saber que o motivo que levou sua casa à ruína sempre estivera dentro do seu próprio corpo. O ódio e o desespero expulsavam-lhe o sangue enquanto convidavam os dentes a entrar em sua carne. Só percebeu a ausência da dor ao sentir seus caninos encontrarem a superfície esmaltada do seu próprio osso. Arrancou selvagemente o seu pedaço destroçado e o cuspiu sobre a bandeja de prata à sua frente. Ainda com a dor fantasma e uma leve tontura, enfaixou o braço e perscrutou a massa ensanguentada à sua frente. Não fossem as luzes azuis-cobalto tremeluzindo numa inquietante frequência lógica, aquele seria apenas o horrendo resultado dos desvarios de uma louca. “Distopia”, pensou. E despediu-se, deixando o fio do seu machado beijar a face iluminada da amostra luminosa de si.
RESENHA: O SURTO - A CERA (MÚSICA)
Início do século 21 e as rádios do Brasil se viram invadidas por um hit que viria a ser o single mais tocado no ano de 2001. Considerada pela revista Rolling Stone como uma das melhores músicas do Rock Nacional, “A Cera”, da arretada banda cearense “O Surto”, transformou-se no hino dos underground boomers de 13 anos atrás e a prova de que a simplicidade é realmente a realização máxima.
A música descreve um amor à primeira vista sem as frescuras do romantismo floreado. Trata-se de uma bonita declamação vestida com a cultura das ruas, cheia de gírias e do encanto que há na simplicidade das coisas. O recíproco e nu interesse entre dois jovens tão reais quanto nós mesmos. O timbre e a dicção da voz de Reges Bolo aumentam ainda mais a verossimilhança da música, pois fazem com que nos sintamos como o interlocutor de uma conversa íntima entre dois “chegados”. O instrumental bem alinhado, de levada meio beach/reggae/psychodelic, é daqueles de elaboração simples, mas muito fáceis de ficar grudados na cabeça.
A banda, depois de fazer muito sucesso abrindo shows para o Raimundos e participar de eventos importantes do rock nacional, como o Rock in Rio, lançou três álbuns, além da demo “O Surto”. Hoje conta com apenas dois membros da formação original, Reges Bolo (vocal e líder da banda) e o baixista Franklin Medeiros. Nas paletas, Giuliano Giarolo, e nas baquetas, Markão Morini. Prometem lançar o EP “É para Quem Gosta, e não para Quem Quer” até agosto.
É uma excelente baladinha sem viadagem pomposidade. Abaixo, a letra:
https://www.youtube.com/watch?v=WrBznflRvB8
A Cera
Eu tava ali
Ela também, ela também estava ali
Tava parada e olhando para mim
A conversar com um chegado bem do meu lado
Me encorajando a chegar junto dela
Fala pra ela sobre a minha intenção
Antes que esqueça pois pirei meu cabeção
Eu vou me levantar
Vou lá onde ela está
Fala pra ela
Um rosto lindo e um sorriso encantador
E um jeitinho de falar que me pirou, que me pirou o cabeção
Um rosto lindo e um sorriso encantador
E um jeitinho de falar que me pirou, que me pirou o cabeção
Que me pirou…
Que ela era show
E o piercing dela refletia a luz do sol
Os olhos dela me indicavam a direção
Cabelo ao vento
Meus olhos sempre atentos aos seus movimentos
Que piração
Acho que é hora de uma aproximação
De um diálogo sobre esta condição
Dessa história de pirar meu cabeção
Meu cabeção…
Um rosto lindo e um sorriso encantador
E um jeitinho de falar que me pirou, que me pirou o cabeção
Um rosto lindo e um sorriso encantador
E um jeitinho de falar que me pirou, que me pirou o cabeção
Que me pirou…
O piercing dela refletia a luz do sol
Os olhos dela me indicavam a direção
Cabelo ao vento
Meus olhos sempre atentos aos seus movimentos
Que piração
Acho que é hora de uma aproximação
De um diálogo se houvesse a condição
Dessa história de pirar meu cabeção
Um rosto lindo e um sorriso encantador
E um jeitinho de falar que me pirou, que me pirou o cabeção
Um rosto lindo e um sorriso encantador
E um jeitinho de falar que me pirou, que me pirou o cabeção
Que me pirou…
LEIA-SE
Sangraste teus ternos olhos doces
Fitando a imensidão de um escuro impenetrável
Enquanto tua face pálida, quase sem sangue
Enrugava um sorriso pelo prazer do inalcançável
Salientaste no etéreo aquilo em que confias
Deixando clara a evidência do irrefutável
O mundo vazio da inércia passiva
Viu-se sem forças para continuar sendo
Pois, no silêncio noturno, tua voz se ouvia
Recriando o espetáculo de um Eterno vivendo
O tempo cristalizou-se em volta de ti
Quando quebraste a prisão que fizera
Tornando tudo aquilo que um dia já foi
Em peixes já mortos no lago das eras
Renasceste de onde jamais pensaria
E transformaste a dor em palavras singelas
Muito mais do que teu mero eu mudou
No momento em que vislumbrava-se com trevas
E se refugiava no lado quente da aurora
Remodelaste vidas e tudo que havia nelas
Agora que descansas ao som do nada
Sabes que o nada é algo que nunca descansa
Aprendeste que o sangue que choravas
Tornou real a ausência da desesperança
Antes teu sonho do que minha realidade
AO DEUS INTERIOR
Revigore-se, alma! As sombras, nas quais se deita, aos poucos se dissipam, enquanto a luz que te deixara - quando dela mais precisava - perde sua última centelha. Este cálice de dor que hoje prova é o gral por meio do qual sua essência se lapida, é o espelho delineador de sua real e significante não-aderência. Absorva, pois, todo este "mal" que te consome! Consuma-o e faça com que as forças que aparentemente lhe causam dor tornem-se suas aliadas, seu arsenal! Incinere-se de si mesma e reconheça o elemento cinza para o qual não tardará a voltar, reconheça a vaga lembrança que te devolve ao Éden, o inegável olvido que lhe apresenta o inferno e o caminho do meio que te remete à verdade! Acorde, intangibilidade do meu eu sólido! Olhe para o mundo em que - inconscientes - todos se perdem e veja que a dor, da qual seu âmago se farta, nada mais é que um simples grão de areia da já pútrida praia da vida! Volte-se ao silêncio, onde todas canções versam a verdade, ao cemitério de razões que ressuscitam toda a real essência! Transcenda, crie, recrie, renasça! Que o mundo à sua volta tente cegar este seu escafandro de carne! Mas que sua luz - invisível aos que superficialmente enxergam - leve-me ao instante do tempo onde todo universo se fará visível ao me contemplar por dentro! E que, ao sonhar, eu perceba que é ali o lugar onde estarei, de fato, verdadeiramente acordado!
Aqui o sorriso se esboça...
O CAVALEIRO NEGRO - CORO I
Um longo caminho a seguir no nada
O desconhecido no tenro horizonte
A busca da verdade que nunca é encontrada
A lisonjeira passagem que antevê o ontem
As noites vêm e o dia parece ter morrido
As folhas e flores lançaram-se dos galhos
A lua de prata exibe um frígido sorriso
Não há mais estrelas nesse céu nefasto
Um vendaval de dúvidas secas assovia
Cantando sobre o chão de ossos dilacerados
O espetáculo do medo, de longe se cria
E de perto se vê sonhos sendo devastados
Pétalas mortas sob o orvalho de sangue
Adornam as ruas de um lugar macabro
Têm em sua fragrância um vazio tirante
O perfume do espírito do corpo exilado
Sombras caminham na ausência de corpos
Vozes são ouvidas dessoando o sentido
O solo coberto pelas cinzas de mortos
Oculta as feridas de tempos esquecidos
Olhos doces cegariam-se com o medo
Espíritos assintáticos se esvaeceriam
Mas estes são olhos do Cavaleiro Negro
Que aqui nada temem, apenas apreciam
Olhos de jade, funestos, porém célicos
Escarlatados pelo choro rubro da carne
Janelas da alma de um espírito cético
Esferas da noite, regeladas obras de arte
O tilintar do metal negro canta os passos
Daquele que veste sua eterna escuridão
Não é mais uma mera armadura de aço
Trata-se de sua pele, a epiderme do dragão
Reza a lenda que nele não há passado
Os oráculos desconhecem o seu futuro
O seu presente é o eterno tempo fadado
A buscar a verdade, vagando no escuro