SALAMANDRA
Eu parecia estar morto
Vivendo de sobras do passado
Mas aqueles olhos, tipo porto,
Eram céu por si iluminado
Troquei melancolia por flores
O deserto por paraíso reinventado
Dei cabo aos medos e dissabores
Ressurgi das cinzas, meio alado
Você não fazia qualquer sentido
Parecia invenção de um lunático
Meu Éden coberto de libido,
Você é calor de um fogo mágico
Me queime,
Me devore com o seu ardor
Me queime,
Me incinere sob o seu amor
Me queime,
Me faça suar em seu rubor
Me exploda,
Me deixe ser seu propulsor
Como o sol que aquece a terra,
Faz cada estação do meu corpo
Você é pulsar que me encerra
Nas labaredas de um céu louco
Seus olhos refletem o infinito
O para sempre que se apresenta
São os mais belos versos ditos
Ao nu olhar que lhes enfrenta
Seus lábios devoram mundos
Com o magma que deles flui
Dos mistérios mais profundos
São os mais belos em que fui
Sendo a estrada que vou cruzar
E a terra selvagem que desbravei
Você não para de me queimar
E sou seu combustível, agora sei
Me queime,
Me devore com o seu ardor
Me queime,
Me incinere sob o seu amor
Me queime,
Me faça suar em seu rubor
Me exploda,
Me deixe ser seu propulsor
DO ABISMO, UM ACENO
Sou refém de uma memória que arde
Ígneas paredes que evolvem meu eu
Sou feito de sonhos e meias verdades
Mítica quimera e inveterado corifeu
Morto em mim, renasci do escarlate
Das lágrimas do tempo do sito eliseu
Despojo do amor de onífera deidade
Tornei-me ódio em flor, lótus do heu
Sopro latente de vida, morte de amor
Venéfico luto do espírito que é meu
Intrínseco manifesto dos halos de dor
Efervescentes ondas dos odres leteus
Sou apenas a íris desprovida de cor
O pélago de vida que sozinho morreu
LETARGIA
Quão adstringentes são as horas desta constante noite!
A silhueta do surgimento de um dia é uma ilusão.
A dor que atravessa a carne e os já mortos ossos
Chega facilmente à alma, onde envenena o coração.
Os facínoras usurpadores do bom homem de Samaria,
Embebidos em sua pseudo liberdade de servidão
Demonstram com estultícia sua falsa soberania,
Condenando-nos ao abismo criado por suas mãos.
Oferecem-nos palavras doces, nos jogando absinto.
Tentam ceifar nossas almas, cegando nossa visão.
Semideuses fúteis e cruéis, titãs expulsos do olimpo,
Reis fadados a ver o próprio reino em destruição.
E o dia permanece excluso de nossos vis olhos,
Olhos que viram o caos numa terra sem salvação.
Somos meros retalhos de carne, reles destroços
De uma criação perfeita, perdida numa humana perfeição.
Renasça, ó nobre estirpe esquecida!
Ressurja, ó bela dama, chamada vida!
PRIMEIRA VEZ
Do acaso à retina, o flamejar do teu eu
Chama que cega enquanto as vendas tira
Vestida de fogo, quem queimava era eu
Na púrpura presença de uma deusa ninfa
Quimera deiforme, tão bela e magnífica
Cujos lábios fizeram sedentos os meus
No teu olhar de Vênus, o meu se perdia
Meus olhos morriam e reviviam nos teus
E mudo ficava só para ouvir tua canção
A melodia das formas daquele apogeu
Só ouvia tua beleza e o bater do coração
De um poeta e a poesia que nunca teceu
Ansiava segurar a fortaleza de tuas mãos
Provar do fulgor de teus lábios ninfeus
Teus olhos de náiade pareciam dizer não
Mas meu corpo ordenava a busca do teu
Anjo de voluptuosas curvas inesquecíveis
De doce falar e de torneadas maestrias
Silhueta febéia das mais belas hamadríades
Espelho do belo, beladona que inspira
Se ontem te vi, para sempre te quero
És a senhora de minha sublime epifania
PROFUNDA LINHA MORTAL
Címbalos ígneos das ninfas de Tânatos
Órficos sortilégios de melífluos corações
Névoa que desabrocha a lótus no pântano
Quimera dos poetas que choram ilusões
Unóculo instinto que concretiza o sonho
Imo canto de sereia que encanta dragões
Serás, para sempre, o devaneio sem sono
Titã do espírito dos que respiram paixões
És o silêncio da nua brisa que beija o mar
Mélico esplendor que redefine a criação
Estrela fulmínea que não cessa de brilhar
Ultriz realeza, senhora de toda emoção
Antes de ti, o que existe nunca existiu
Míope vivência em um estado de dor
Onde as cores, há tempos, nunca se viu
Reintegra-se vida, reinventa-se o amor
PONTE PARA O REINO DE AMARITUM
Embora divague e não consiga compreender os seus erros, Grinais sente a pior dor que um amante pode sentir: a culpa da perda. Sabe que, como amante inveterado, romântico nato e sonhador absoluto, privou quem ele tanto quis de todo o universo de amores que irrefutavelmente poderia oferecer. Fingiu-se frio por uma dor que há tempos esse alguém tirara. Quis ser escudo impenetrável, salvando-se de outro amor arrebatador, quando, na verdade, aquele nome peculiar jazia encravado em seu peito, distribuindo toda aquela fluidez virtuosa por cada extensão dos seus vasos sanguíneos. Ainda cego pela conduta demasiada defensiva, não lhe ocorrera que já estava contaminado por aquele demoníaco anjo de voz branda e olhar de fogo. Sua presença já dilacerava seus músculos, percorrendo o seu corpo como o magma nos sulcos da terra que ele lambe com fúria e voluptuosa beleza. Ele era a doença em estágio de cura. E que cura! Impossível não ser invadido por aquela silhueta ninféia de proporções mágicas. Era como abraçar a cintura quase invisível de todo o universo.
E essa substância viva que matava sua solidão, esse ópio que lhe trazia maravilhosas e irreais realidades, essa magia profunda e infindável, numa implosão de assombrosa espontaneidade, se foi para algum lugar melhor que ao seu lado, um lugar desconhecido e vazio, onde a única certeza é aquela que deixa claro que ele, que era templo de tão maravilhosa forma, não mais existia. E tudo se foi, como se nunca tivesse sido. Toda beleza espontânea que nasceu sob o testemunho arbóreo de um mundo recriado evanesceu como as lúgubres brumas que se desintegram numa amedrontadora velocidade ao serem tocadas pela luz dourada dos dias que nascem. Porém, o que nasceu foi uma terrível noite, uma cúpula negra e vazia, sem brilho algum de estrelas ou de luar, um céu refletindo a luz que já não existia. E a cura se foi... o fogo se foi... E a já tão vaga e distante voz de dríade ígnea ainda entoa as canções de dias que devem ser esquecidos, lembrando da dor e da conseqüente necessidade amnésica que embala o agora. É, no entanto, necessário que se compreenda que o vazio é o estágio que antecede a criação, sendo assim, agora ele é gênese.
Um Domingo Qualquer
Até então, aquela beleza não tinha nome
Era luz de um sonho ainda não sonhado
Vista de longe, já era fogo-que-consome
Contemplada de perto, era anjo encarnado
Farol, cujo (meu) juízo lançou para longe
Estrela carmim que queimava ao meu lado
Nos loucos sonhos em que a bela não some
É hoje o mistério que decifra o meu passado
Dríade dos meus olhos, memória que arde
Sinfonia de fogo que aquece meu coração
Do meu castelo de amores já é estandarte
A deusa e rainha dos meus reinos de ilusão
É dela que vem o olente ar que me invade
Que me acende os desejos e apaga a razão
É a ninfa mais bela, minha linda liberdade
O afiado olhar que é minha singela prisão
E por ela já nascem os mais loucos desejos
É ela o abismo em que não paro de cair
Os ígneos sonhos que me iludem seus beijos
É a recíproca saudade que não vai esvair
Nela me encontro e em seus olhos me perco
Na via dos sonhos, faz ela o meu soneto
Não durmo de novo até que a tenha ao meu lado
Que os sonhos que ela habita, os sonhe todos acordado
A Yuras, a ninfa amazona
— Epifânico! - jubila-se meu íntimo
É que a aurora centelhou seu fogo
Eis o anjo que me devolve ao todo
A pira que me livra do medo ínfimo
Panaceia da memória dos meus ais
Você é, dentre todas, absoluto arrimo
Da geografia deste espírito, o cimo
Fôlego que, aos beijos, me inspira vendavais
Seu toque urente, em minha pele arde
Dos seus lábios, os meus pedem mais
Pois fez de mim seu amante salaz
Cuja volúpia já é minha arte
Sou sua morada e você é o meu castelo
No bis das horas é minha terna novidade
Voz que se anuncia tão cedo quanto tarde
Nas paredes inócuas desse pesadelo tão belo
(Re)sinto os solfejos vindos da minha alma
Ao gozar da gênese deste façanhoso elo
Ao enxergar seu rosto, mesmo quando cego
Ao ver em seus olhos a virtude que acalma
Percebo agora que o medo que eu sinto
É da indizível coragem que me embriaga
Da certeza que sinto em seu falar de maga
De quando me perco em seu olhar-labirinto
Te toco como um músico virtuose
Interpretando a sinfonia de uma vida
E em cada nota, reinvento um toque
Assim nossa partitura se orna em dita
Rogo-lhe que me ensine a voar não tendo asas
Que, aos poucos, me inspire canções desveladas
E que seu laço me ensine a amar sem amarras
Fiat Lux!
O que fazer,
Se as trevas se desfazem, mas voltam?
O que dizer,
Se o silêncio é o nosso fiel amigo?
O que sonhar,
Se os pesadelos em rosas nos afogam?
O que viver,
Se a vida pertence ao caos escondido?
É com furor que o medo vem
E com ímpeto que a virtude se vai.
O sono eterno é mais rápido
Que uma lágrima que, dos olhos, cai.
O eco fúnebre reverbera por tudo,
Enquanto os badalos ruem o que sobrou.
A inerente verdade é o escudo
Daquele que viu o que o mundo cegou.
Por que lutar,
Sabendo que a derrota é possível?
Por que desistir,
Se a vitória se mostra equidistante?
Por que amar,
Se o amor pode ser uma dor terrível?
Por que odiar,
Se o ódio alimenta o inferno infante?
Migalhas de palavras no éter...
Não é o verbo que pode mudar a ação.
Todas as coisas acabam no infinitivo,
Nas profundezas inóspitas de um coração.
Fragmentos de vida se perdem no ar,
No labirinto distante da percepção.
A morte em si passa a se tornar
Herdeira da vida, a próxima ilusão.
Sonhos redesenhados
Em uma guerra já perdida.
Amores desembainhados
Por uma vida menos vazia.
Imagem de Capa: imagem de uso meramente ilustrativo. Foto/Arte Digital: http://www.sampaikini.com.
Título: embora Fiat Lux possa trazer correlação entre a imagem de capa e o título, levando-se a crer tratar-se de uma referência à marca de fósforos Fiat-Lux®, o título foi usado pura e simplesmente por conta de seu significado, afinal é uma expressão em latim para "Faça-se Luz". Já a imagem de capa demonstra a necessidade de algumas cicatrizes para que nos desvencilhemos de nós e encontremos a iluminação, ou parte dela.
Sonhador Nebuliforme
Me queime, ó gênese de tudo que há.
Reacenda em mim a chama que só você alimenta.
Já que faz a existência brilhar,
Faça de mim um estandarte que te ostenta.
Nomeie-me cavaleiro sob o seu luar,
Guerreiro noturno do lirismo que reinventa,
No doce mundo em que basta sonhar,
Na utopia dos tempos que o passado isenta.
Me afogue nesse oceano de verdades
E ressuscite-me com a valia do seu nome.
Leve-me ao temido olho da tempestade,
Onde a coragem nasce e o medo se esconde.
Lute comigo contra a minha animalidade,
Fonte do mal que a mim mesmo consome.
Matemos também minha vã humanidade,
Que alimenta meu ego, enquanto morre de fome.
Estou meio morto nesse claustrofóbico nada,
Vivendo a angústia que de mim se enfada,
Esperando te encontrar sem estar vendo:
Uma pétala destinada em busca do vento.
O bramido carmim ecoa em meus lábios,
Enquanto sussurro por sua manifestação,
A poderosa presença, o êxtase dos sábios,
A magia infinita que habita um coração.
Deixe-me entrar em seus versos fantásticos
E metamorfosear-me em sua inexatidão,
Me inebriar, dançando em seus cenários,
A canção dos eternos, que vêm e não vão.
Personifique-se a mim, ó sombra iluminada!
Que meus olhos vejam o que agora eu sinto,
Para que tudo se vá e o infinito se faça
No agora que é o que eu apenas pressinto.
Eis o chamado do receptáculo,
O clamor de quem já se sentiu
Coadjuvante desse espetáculo,
Verdadeiro herói que nunca caiu.
Consegui alcançar o graal das deidades?
Será que pude o imponderável transpor?
Te encontrar, é minha mais forte verdade.
É contigo que falo, tão facetado amor.
Imagem de Capa: "Hombre en la niebla" - Foto por cocoparisiene - Domínio Público (Creative Commons)
Título: emprestado de uma das cartas da campanha Onslaught (Investida, no Brasil), de Magic: the Gathering©