Cravou os dentes sobre o próprio braço ao saber que o motivo que levou sua casa à ruína sempre estivera dentro do seu próprio corpo. O ódio e o desespero expulsavam-lhe o sangue enquanto convidavam os dentes a entrar em sua carne. Só percebeu a ausência da dor ao sentir seus caninos encontrarem a superfície esmaltada do seu próprio osso. Arrancou selvagemente o seu pedaço destroçado e o cuspiu sobre a bandeja de prata à sua frente. Ainda com a dor fantasma e uma leve tontura, enfaixou o braço e perscrutou a massa ensanguentada à sua frente. Não fossem as luzes azuis-cobalto tremeluzindo numa inquietante frequência lógica, aquele seria apenas o horrendo resultado dos desvarios de uma louca. “Distopia”, pensou. E despediu-se, deixando o fio do seu machado beijar a face iluminada da amostra luminosa de si.