O CAVALEIRO NEGRO - CORO I
Um longo caminho a seguir no nada
O desconhecido no tenro horizonte
A busca da verdade que nunca é encontrada
A lisonjeira passagem que antevê o ontem
As noites vêm e o dia parece ter morrido
As folhas e flores lançaram-se dos galhos
A lua de prata exibe um frígido sorriso
Não há mais estrelas nesse céu nefasto
Um vendaval de dúvidas secas assovia
Cantando sobre o chão de ossos dilacerados
O espetáculo do medo, de longe se cria
E de perto se vê sonhos sendo devastados
Pétalas mortas sob o orvalho de sangue
Adornam as ruas de um lugar macabro
Têm em sua fragrância um vazio tirante
O perfume do espírito do corpo exilado
Sombras caminham na ausência de corpos
Vozes são ouvidas dessoando o sentido
O solo coberto pelas cinzas de mortos
Oculta as feridas de tempos esquecidos
Olhos doces cegariam-se com o medo
Espíritos assintáticos se esvaeceriam
Mas estes são olhos do Cavaleiro Negro
Que aqui nada temem, apenas apreciam
Olhos de jade, funestos, porém célicos
Escarlatados pelo choro rubro da carne
Janelas da alma de um espírito cético
Esferas da noite, regeladas obras de arte
O tilintar do metal negro canta os passos
Daquele que veste sua eterna escuridão
Não é mais uma mera armadura de aço
Trata-se de sua pele, a epiderme do dragão
Reza a lenda que nele não há passado
Os oráculos desconhecem o seu futuro
O seu presente é o eterno tempo fadado
A buscar a verdade, vagando no escuro
DESERTO DO REAL
Vã mediocridade é o amargo tempo
Estúpida relevância que damos ao ego
Reduzimo-nos a presos deste espaço
Meros brinquedos deste mundo cego
Eis as três ilusões da mera realidade
A feroz tríade que nos mantém retos
Que nos abstrai da perdida verdade
Que nos conduz ao erro, dito correto
Nos foi dado o dever de não pensar
A senil obrigação de jamais reagir
Para que o eu etéreo sempre durma
E nossos olhos se recusem a se abrir
A ponderabilidade é nossa realidade
Vivemos a mentira de tocar e existir
Somos reflexos de uma era passada
Onde sonhávamos somente ao dormir
A ignorância é, de fato, uma benção
Quando a verdade é a grande omissão
Paraísos da mente, realidade fundada
O egípcio acômodo de livre servidão
Hipocrisia consentida é o que respiramos
E o amor se esvai por nossas mãos
Essa terra em que hoje nós pisamos
É o mar de cinzas da real extinção
NEM SEMPRE A MARGEM É SÓLIDA
Inconspícuo, dou-me a mim.
Aqui, do olho do furacão,
O ébrio vórtice da multidão
Conserva-me só. Simples assim!
Plácido, sou eixo da destruição,
Insone estátua carmesim.
Do não, o amante; eco do sim,
A inconsciente desfibrilação,
Qual entusiasta do fim.
Escriba da lauda-destinação,
Potência e ato em rebelião,
Fera muda soprando o clarim.
Move-se furiosa a centrífuga mordaça.
Movimento é vida, ser arrastado é sinal de morte.
ATO APÓCRIFO
Palco girante é o tempo
Que assiste toda misancene
Dirige com fogo, sem alento
A inverdade deste insolente
Atuo voraz, uma vã semente
Plantada no esquife do amor
Sou máscara da morte (ente)
Efígie de anjo trabalhador
São tantos atos e o torpor
E tão anã é a tal vida
Que a quimera do que sou
É inconsciência renascida
Das ruínas, foi o que sobrou
Execrável, terna e linda
A DANÇA DAS FORMIGAS BRANCAS
É verdade que vago.
Os caminhos são
as mesmas e velhas
novas tentativas.
Mas me encontrar é raro,
pois caminho com
pernas que (estranho...)
não são as minhas.
Mesmo sabendo, não paro.
Não posso.
Não me deixam.
É a regra-mor da grande partida,
do jogo veloz de um mundo raso.
Trazem-me loucura,
quando vislumbro a sanidade,
quando vejo a afável mentira.
Daí retorno-me ao casco,
onde posso ser louco
sem que assim me chamem.
De volta à estúpida família!
E como ser esfera num mundo de dados?
Como se tornar ex-fera?
Como ter uma única face?
Como ser, da massa, a ilha?
E é por isso que vago.
A esmo, dou-me à sorte.
Com um pontapé no super-ego,
desvencilho-me da trilha
e enveredo-me, alado.
Trafego as estrelas
sem perguntar os seus nomes
e dispenso qualquer guia.
Me perco em seu leito vasto,
copulo com o infinito
na esperança (vil)
de gerar a fantasia.
Nela, retomo meus passos.
Olhos despertos
e mente escancarada.
Faço do eu a minha própria dinastia.
É bem verdade que vago.
Governo o reino
de nenhum súdito,
o vilarejo da selva da vida.
Sou, do universo, o dardo
lançado pelo tempo,
seta em movimento
sem volta, nem ida.