PARALYAL VISTA DE LONGE
Não me peça para dizer
Que o encanto partiu
Que o amor se feriu
Ou que não quero você
Sei que não pude entender
O que sua alma pediu
O que seu olhar insistiu
E que te perdi ao te ter
A desvirtude foi minha
Tentei conquistar
Uma forma de amar
Que há tempos já tinha
Ora, sou página sozinha
Lábios a não beijar
Braços sem abraçar
Um poema sem qualquer rima
De você me desterro
Porque só resta fugir
Tão somente fingir
Que não sou eu que tanto erro
Mas noutra terra não me enterro
Meu lado bom vou surgir
Um novo eu construir
E tão logo me entrego
E se eterno for meu exílio
Orgulhoso estarei
Por esta terra sem rei
Permanecer em delírio
Não fingirei um alívio
Se retornar nunca ser
Mas estarei com você
Nas lembranças do início
GRITO EM PARALYAL
Não me peça para definir o encanto!
Sei lá se é sua beleza ninfeia
Ou seu olhar de odisseia
Me viajando.
Apenas sei
(E sem qualquer engano),
Em plena vigília ou sonhando,
Que ao seu sorriso eu me entreguei.
Ora, em você sou a história sem fim,
Um réu independente de lei,
A perdida ordem sem rei,
Seu arlequim.
Não, não há
Qualquer mundo confim
Que empreenda contra mim
A desvirtude de não te encontrar.
ESTRELA VESPERTINA
Mergulhei naqueles olhos
Já na primeira vez que a vi
Eram gemas raras, mundos novos
Espelhos do melhor de mim
Eram meu futuro, que óbvio
O infinito que eu senti ali
Labaredas escuras, vivos fogos
Impossíveis de se resistir
E quando neles eu me perdia
Sua voz doce me encontrava
Era um canto de magia
Cada verbo que falava
Um sortilégio de alegria
Que minh'alma encantava
Era a pura fantasia
Que há tempos eu buscava
Enquanto sua voz me atingia
Seus belos lábios me atiçavam
Com voluptuosa harmonia
Aos poucos me convidavam
Resistir era uma mentira
Que os meus não aceitavam
Minha sublime epifania
Veio quando, aflitos, se tocaram
E que beijo mais incrível
Tão doce e molhado
Nossas línguas em fogo vivo
Eram desejo encarnado
Dançavam ao som do riso
Silencioso daquele abraço
Experimentavam-se com tino
Aos poucos se emancipavam
E naquela noite prima
Vislumbrei dias claros
Aquele paraíso que eu via
Era sonho em letargo
Mas tudo que eu sentia
Descongelava o frasco
De onde o futuro surgia
Sem ter tido um passado
Mas o tempo é uma criança peralta
E Sua dose, por dias me negou
Quando esse doce vício passava
Quando meu céu já se desestrelava
Numa tarde ensolarada
Ela, do nada, voltou
ALI, SOB OS OLHOS...
Um triz,
Um amigo,
Uma bela donzela
(amiga do amigo),
A morte
(travestida de vida),
Um prazo
E uma valsa:
interrogo-me,
mas respostas
são ar em minha
aerodinâmica.
A OFICINA DO DIABO (AO INVÉS DO VAZIO, O CAPITAL)
Sou instrumento
de um todo de apenas um,
peça sem consciência,
o arauto da religião maior:
o culto ao fim do invisível.
Sou engrenagem viva
(menos viva
que a de ínfimo metal)
em rotação inerte,
tecendo o intangível.
Inconspícuo,
tranco-me de mim
para escancarar
as portas do progresso:
altruísmo iniludível.
Portas cuja paisagem
meus olhos sequer
podem experimentar.
É terra para os gigantes,
a minoria não sofrível.
Ah! E como sou feliz!
Não passo do umbral,
mas sou um artista!
Do mais áspero inferno,
pinto a eles o paraíso.
E cumpro, alegre,
o triste papel
de algoz da felicidade,
afinal eu movo o mundo,
sou seu rubro combustível.
Jogo meus sonhos
em sua fornalha, pois
são meus vapores
que alimentam
seu labor hipossensível.
Não o mundo-lar,
herança da eternidade,
mas o mundo-máquina,
a cela em falso ouro,
onde viver é dedutível.
Que ermida formidável!
Aqui somos iguais
(sem sonhos, sem vida)
criadores da vil diferença,
da posição inacessível.
Sou, enfim (e para o fim),
um crédulo romântico
que por sua fé
cega e conformada
já ama o abismo.
É esse o real ofício!
A DANÇA DAS FORMIGAS BRANCAS
É verdade que vago.
Os caminhos são
as mesmas e velhas
novas tentativas.
Mas me encontrar é raro,
pois caminho com
pernas que (estranho...)
não são as minhas.
Mesmo sabendo, não paro.
Não posso.
Não me deixam.
É a regra-mor da grande partida,
do jogo veloz de um mundo raso.
Trazem-me loucura,
quando vislumbro a sanidade,
quando vejo a afável mentira.
Daí retorno-me ao casco,
onde posso ser louco
sem que assim me chamem.
De volta à estúpida família!
E como ser esfera num mundo de dados?
Como se tornar ex-fera?
Como ter uma única face?
Como ser, da massa, a ilha?
E é por isso que vago.
A esmo, dou-me à sorte.
Com um pontapé no super-ego,
desvencilho-me da trilha
e enveredo-me, alado.
Trafego as estrelas
sem perguntar os seus nomes
e dispenso qualquer guia.
Me perco em seu leito vasto,
copulo com o infinito
na esperança (vil)
de gerar a fantasia.
Nela, retomo meus passos.
Olhos despertos
e mente escancarada.
Faço do eu a minha própria dinastia.
É bem verdade que vago.
Governo o reino
de nenhum súdito,
o vilarejo da selva da vida.
Sou, do universo, o dardo
lançado pelo tempo,
seta em movimento
sem volta, nem ida.
INSIGHT PÓSTUMO
Escrito há alguns anos para Clarice Lispector
Transgredi a cela da vida contingente.
Vaguei no encanto e não me perdi.
Vi no mundo um caminhar penitente,
A multicolor algema do agora e aqui
Vivi umas vidas em meu cárcere de carne,
Todas escritas sob meu olhar decumbente.
Era a magia léxica minha ígnea arte,
O sopro de vida sobre a morte eminente.
E agora que sou um corpo sem corpo,
A rima fugaz de uma poesia já lida,
Embora seja um livre imorredouro
No etéreo passeio sem volta nem ida,
Se um dia pensei que liberdade era pouco,
Apelido o que sonhava com o nome de vida.
MAR TINI
Ah! Querido Mar de cor sublime,
De rubras ondas e invisíveis praias.
Tuas ardentes águas, ó, doce Tini,
São fogo que em meu íntimo baila.
Nadar em ti é um ébrio encanto,
Onde alguns afogam suas mágoas.
Mas te bebo em teu céu e canto
O desvelar de minhas falhas.
Te levo comigo em minha memória,
Por mais que causes sua falta.
És maestro de inebriantes histórias.
De tantas loucuras, és a graça.
No lual sem lua em sua encosta
Um litro de ti é oceano de causa.
POEMA INACABADO
Deixe que ela guie seus calmos passos
Enquanto a devolve ao paraíso perdido
Enquanto caminha em seus palácios
Seja ato de seus pensamentos proibidos
Se lance ao despautério do seu regaço
Morada de sonhos e espetáculos rendidos
Enquanto, terna, evanesce de seus braços
Olhe para seus olhos, o céu que te faz partido
Veja-se como anjo no reflexo daquela retina
Voz que vagueia sob o silêncio que canta
Sob a luz decomposta da lágrima que a dor refina
Sibila sobre o orvalho da rosa que o espinho ama
E que doce clarão vem desse sangue que fascina
Dessas pétalas carmins que adornam o prana
No oceano desses olhos, mergulha com guina
Nas profundesas adormece e desperta com gana
Sabe que o espaço a levará para longe
Mas que nem o tempo a tirará de perto
Pois o que foi forjado num coração insonte
Pertence ao tempo que não tem um fim certo
Momentos virão sem aquele sorriso
Enquanto a saudade irá sempre sorrir
A memória que arde em seu peito partido
Será o selo que a fará ressurgir
E vagará até o fim do seu mundo
Será terra boa de se retornar
Para isso olhará o abismo profundo
Onde o seu eu deixará de adorar
LUZ HERMÉTICA
Vejo que a treva da noite,
Excêntrica dama de virtudes turvas,
Com suas mãos rubras brandindo a foice
Dos desejos comuns à velha procura,
Comparada a nós é intensa alvura.
Pois somos o medo, nossa íntima escória,
Efêmera beleza de uma coletiva feiúra.
Cegos vagando pelos confins da história,
Somos, do mundo, uma curta memória.
Mas há em cada um uma luz profunda
Que emerge do heu de nossa paranoia,
O paraíso, onde o inferno se funda.
Também há o amor, verdugo do nunca,
Luzeiro perpétuo dos caminhos mágicos.
Dele alimentamos a chama diminuta,
Que logo consome o corpo abrilhantado.
Somos, no fim, espelhos não olhados
Refletindo o eco de um inexistente vazio,
Quando o que temos é o universo vasto
Que nos torna senhores de nosso próprio destino.