RESENHA: FREJAT - O QUE MAIS ME ENCANTA (MÚSICA)
No Barão Vermelho, Frejat já causava frisson na mulherada desde os anos 80, e sua carreira solo não fica atrás. Dono de uma forte e característica voz grave, eleito (por uma revista britânica) o melhor guitarrista brasileiro dos anos 80 e carismático, Roberto Frejat ainda faz muito sucesso com sua poesia em forma de música. Músicas para se apaixonar e para refletir. Segredos, música do seu primeiro álbum solo ainda é recitada como mantra por milhões de solitários apaixonados por aí, mas seu repertório é vasto e possui músicas tão ou mais interessantes quanto. O Que Mais Me Encanta é um bom exemplo do que estou falando.
É interessante a maneira como ele trabalha a estética e desvencilha a beleza do status quo, do padrão adônico e da ditadura corporal que a moda e a mídia impõe virulentamente. Apaixonar-se por uma beleza sem imagem e por características marcantes (o mundo chamaria de defeitos, feiura) que transformam o objeto de desejo em algo único, perfeito por justamente possuir uma harmônica falta de perfeição. É fácil desenhar mentalmente a figura da mulher que ele tão habilmente descreve, da mesma forma que é fácil conhecer e se simpatizar com sua personalidade viva. Difícil mesmo é não se encantar também por ela.
Com uma fórmula eficaz de perfeita simetria entre voz, letra e instrumental, Frejat nos causa uma estase sinestésica e nos permite experimentar cada uma das sensações que a música descreve. Enfim, é uma música para redescobrirmos o que é se apaixonar, para repensarmos a beleza e para perscrutarmos também a nossa "besta-fera" dentro de nós. Ouvir a sós é reflexão, ouvir a dois é inspiração.
Abaixo, o vídeo com a música e, em seguida, a simples e linda letra:
É a tua capacidade de me enlouquecer;
A tua sensualidade ardente,
Teus dentes separados na frente;
Teu sorriso esperto de quem muito já sofreu,
Tua inteligência moleque, de pernas tortas,
Teu delírio otimista à beira da sorte;
Teu rosto infantil,
Teus traços fortes;
O que mais me encanta... em você,
É o teu peito, num vestidinho colado,
A tua sensualidade ardente
Teus dentes separados na frente
Teu sorriso esperto de quem muito já sofreu
O poder eletrizante que o teu sim
Exerce na besta-fera dentro de mim
A possibilidade de um mundo pequeno
Conter uma enorme galáxia
E ter me transformando em alguém mais perto
Do que eu idealizo ser.
O que mais me encanta em você
É a tua capacidade de me enlouquecer
O que mais me encanta em você
É a tua capacidade de me enlouquecer.
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AO DEUS INTERIOR
Revigore-se, alma! As sombras, nas quais se deita, aos poucos se dissipam, enquanto a luz que te deixara - quando dela mais precisava - perde sua última centelha. Este cálice de dor que hoje prova é o gral por meio do qual sua essência se lapida, é o espelho delineador de sua real e significante não-aderência. Absorva, pois, todo este "mal" que te consome! Consuma-o e faça com que as forças que aparentemente lhe causam dor tornem-se suas aliadas, seu arsenal! Incinere-se de si mesma e reconheça o elemento cinza para o qual não tardará a voltar, reconheça a vaga lembrança que te devolve ao Éden, o inegável olvido que lhe apresenta o inferno e o caminho do meio que te remete à verdade! Acorde, intangibilidade do meu eu sólido! Olhe para o mundo em que - inconscientes - todos se perdem e veja que a dor, da qual seu âmago se farta, nada mais é que um simples grão de areia da já pútrida praia da vida! Volte-se ao silêncio, onde todas canções versam a verdade, ao cemitério de razões que ressuscitam toda a real essência! Transcenda, crie, recrie, renasça! Que o mundo à sua volta tente cegar este seu escafandro de carne! Mas que sua luz - invisível aos que superficialmente enxergam - leve-me ao instante do tempo onde todo universo se fará visível ao me contemplar por dentro! E que, ao sonhar, eu perceba que é ali o lugar onde estarei, de fato, verdadeiramente acordado!
Aqui o sorriso se esboça...
PONTE PARA O REINO DE AMARITUM
Embora divague e não consiga compreender os seus erros, Grinais sente a pior dor que um amante pode sentir: a culpa da perda. Sabe que, como amante inveterado, romântico nato e sonhador absoluto, privou quem ele tanto quis de todo o universo de amores que irrefutavelmente poderia oferecer. Fingiu-se frio por uma dor que há tempos esse alguém tirara. Quis ser escudo impenetrável, salvando-se de outro amor arrebatador, quando, na verdade, aquele nome peculiar jazia encravado em seu peito, distribuindo toda aquela fluidez virtuosa por cada extensão dos seus vasos sanguíneos. Ainda cego pela conduta demasiada defensiva, não lhe ocorrera que já estava contaminado por aquele demoníaco anjo de voz branda e olhar de fogo. Sua presença já dilacerava seus músculos, percorrendo o seu corpo como o magma nos sulcos da terra que ele lambe com fúria e voluptuosa beleza. Ele era a doença em estágio de cura. E que cura! Impossível não ser invadido por aquela silhueta ninféia de proporções mágicas. Era como abraçar a cintura quase invisível de todo o universo.
E essa substância viva que matava sua solidão, esse ópio que lhe trazia maravilhosas e irreais realidades, essa magia profunda e infindável, numa implosão de assombrosa espontaneidade, se foi para algum lugar melhor que ao seu lado, um lugar desconhecido e vazio, onde a única certeza é aquela que deixa claro que ele, que era templo de tão maravilhosa forma, não mais existia. E tudo se foi, como se nunca tivesse sido. Toda beleza espontânea que nasceu sob o testemunho arbóreo de um mundo recriado evanesceu como as lúgubres brumas que se desintegram numa amedrontadora velocidade ao serem tocadas pela luz dourada dos dias que nascem. Porém, o que nasceu foi uma terrível noite, uma cúpula negra e vazia, sem brilho algum de estrelas ou de luar, um céu refletindo a luz que já não existia. E a cura se foi... o fogo se foi... E a já tão vaga e distante voz de dríade ígnea ainda entoa as canções de dias que devem ser esquecidos, lembrando da dor e da conseqüente necessidade amnésica que embala o agora. É, no entanto, necessário que se compreenda que o vazio é o estágio que antecede a criação, sendo assim, agora ele é gênese.