VAGABUNDO
Antes que o lamento venha a ter vida
E as dores da vida, um encargo
O sol que brilha e nunca se definha
Ilumina o refugo de um grande enfado
O rio impiedoso de águas cinzentas
Reflete a face da bela tempestade
Que retumba com sua voz turbulenta
A dança das feras, a mera humanidade
Ferocidade não falta nas lâminas guiadas
Que alcançam a mortalidade dos ferozes
Que decidem o destino da vida criada
Que morrem sozinhos, mortes menores
De longe se vê o amor andar sozinho
Armadura errante sem um cavaleiro
Espada cortante de valor diamantino
Um escudo forjado no fogo verdadeiro
Mas a esperança avista todos os mortos
No vale escuro e coberto de sangue
Remodela a vida no corpo inóspito
E permanece viva àquele que a ame
O instinto é a sabedoria primitizada
O amor, o caminho para a sabedoria
Belas palavras e frases montadas
Não expressam o infinito que possui a vida
NEM SEMPRE A MARGEM É SÓLIDA
Inconspícuo, dou-me a mim.
Aqui, do olho do furacão,
O ébrio vórtice da multidão
Conserva-me só. Simples assim!
Plácido, sou eixo da destruição,
Insone estátua carmesim.
Do não, o amante; eco do sim,
A inconsciente desfibrilação,
Qual entusiasta do fim.
Escriba da lauda-destinação,
Potência e ato em rebelião,
Fera muda soprando o clarim.
Move-se furiosa a centrífuga mordaça.
Movimento é vida, ser arrastado é sinal de morte.
ZUMBILÂNDIA
Pensar é uma doença que está sendo evitada a todo custo. Campanhas invisíveis de supressão ao pensamento são uma pungente realidade. O mais assombro é que queremos isso! E perseguimos aqueles "doentes" despadronizados que colocam em risco a estase social. Conceber o pensamento é como dar à luz uma besta apocalíptica. Quem aí achou que zumbis não existiam está parcialmente equivocado.
A OFICINA DO DIABO (AO INVÉS DO VAZIO, O CAPITAL)
Sou instrumento
de um todo de apenas um,
peça sem consciência,
o arauto da religião maior:
o culto ao fim do invisível.
Sou engrenagem viva
(menos viva
que a de ínfimo metal)
em rotação inerte,
tecendo o intangível.
Inconspícuo,
tranco-me de mim
para escancarar
as portas do progresso:
altruísmo iniludível.
Portas cuja paisagem
meus olhos sequer
podem experimentar.
É terra para os gigantes,
a minoria não sofrível.
Ah! E como sou feliz!
Não passo do umbral,
mas sou um artista!
Do mais áspero inferno,
pinto a eles o paraíso.
E cumpro, alegre,
o triste papel
de algoz da felicidade,
afinal eu movo o mundo,
sou seu rubro combustível.
Jogo meus sonhos
em sua fornalha, pois
são meus vapores
que alimentam
seu labor hipossensível.
Não o mundo-lar,
herança da eternidade,
mas o mundo-máquina,
a cela em falso ouro,
onde viver é dedutível.
Que ermida formidável!
Aqui somos iguais
(sem sonhos, sem vida)
criadores da vil diferença,
da posição inacessível.
Sou, enfim (e para o fim),
um crédulo romântico
que por sua fé
cega e conformada
já ama o abismo.
É esse o real ofício!