CURRAL DEL REY

Sem essa desculpa
De distância, de espaço!
Ainda que não olhe nos seus olhos,
Perco-me, me achando no seu abraço.

Quilômetros de ar,
Eu mesmo desfaço!
São milésimos de milímetro para
Lábios que são fogo em embaraço.

É um trem estranho,
Esse de te querer,
Sabe?

Esses olhos castanhos
Que quero saber
Se no meu verde cabem.


NAS FRONTEIRAS DE SEORF

Ela e sua doce virulência...
Nem ao menos a vi, sei,
Mas, no leito da inconsciência,
Seu corpo vivi, seus lábios beijei.

E que bela boca! Nela obsedei.
Proscênio dos meus sonhos
E ária que eu ainda não cantei:
A verve dos meus demônios.

Um anjo de olhos risonhos,
Tem sido vício preternatural.
Ela é, e eu sonho que somos,
Afinal a quero no mundo real.

Não há exagero nisso que falo,
Ela que é desejo que beira o irreal.


LEIA-SE

Sangraste teus ternos olhos doces
Fitando a imensidão de um escuro impenetrável
Enquanto tua face pálida, quase sem sangue
Enrugava um sorriso pelo prazer do inalcançável
Salientaste no etéreo aquilo em que confias
Deixando clara a evidência do irrefutável

O mundo vazio da inércia passiva
Viu-se sem forças para continuar sendo
Pois, no silêncio noturno, tua voz se ouvia
Recriando o espetáculo de um Eterno vivendo

O tempo cristalizou-se em volta de ti
Quando quebraste a prisão que fizera
Tornando tudo aquilo que um dia já foi
Em peixes já mortos no lago das eras
Renasceste de onde jamais pensaria
E transformaste a dor em palavras singelas

Muito mais do que teu mero eu mudou
No momento em que vislumbrava-se com trevas
E se refugiava no lado quente da aurora
Remodelaste vidas e tudo que havia nelas

Agora que descansas ao som do nada
Sabes que o nada é algo que nunca descansa

Aprendeste que o sangue que choravas
Tornou real a ausência da desesperança

Antes teu sonho do que minha realidade


O CAVALEIRO NEGRO - CORO I

Um longo caminho a seguir no nada
O desconhecido no tenro horizonte
A busca da verdade que nunca é encontrada
A lisonjeira passagem que antevê o ontem

As noites vêm e o dia parece ter morrido
As folhas e flores lançaram-se dos galhos
A lua de prata exibe um frígido sorriso
Não há mais estrelas nesse céu nefasto

Um vendaval de dúvidas secas assovia
Cantando sobre o chão de ossos dilacerados
O espetáculo do medo, de longe se cria
E de perto se vê sonhos sendo devastados

Pétalas mortas sob o orvalho de sangue
Adornam as ruas de um lugar macabro
Têm em sua fragrância um vazio tirante
O perfume do espírito do corpo exilado

Sombras caminham na ausência de corpos
Vozes são ouvidas dessoando o sentido
O solo coberto pelas cinzas de mortos
Oculta as feridas de tempos esquecidos

Olhos doces cegariam-se com o medo
Espíritos assintáticos se esvaeceriam
Mas estes são olhos do Cavaleiro Negro
Que aqui nada temem, apenas apreciam

Olhos de jade, funestos, porém célicos
Escarlatados pelo choro rubro da carne
Janelas da alma de um espírito cético
Esferas da noite, regeladas obras de arte

O tilintar do metal negro canta os passos
Daquele que veste sua eterna escuridão
Não é mais uma mera armadura de aço
Trata-se de sua pele, a epiderme do dragão

Reza a lenda que nele não há passado
Os oráculos desconhecem o seu futuro
O seu presente é o eterno tempo fadado
A buscar a verdade, vagando no escuro


DESERTO DO REAL

Vã mediocridade é o amargo tempo
Estúpida relevância que damos ao ego
Reduzimo-nos a presos deste espaço
Meros brinquedos deste mundo cego
Eis as três ilusões da mera realidade
A feroz tríade que nos mantém retos
Que nos abstrai da perdida verdade
Que nos conduz ao erro, dito correto

Nos foi dado o dever de não pensar
A senil obrigação de jamais reagir
Para que o eu etéreo sempre durma
E nossos olhos se recusem a se abrir
A ponderabilidade é nossa realidade
Vivemos a mentira de tocar e existir
Somos reflexos de uma era passada
Onde sonhávamos somente ao dormir

A ignorância é, de fato, uma benção
Quando a verdade é a grande omissão
Paraísos da mente, realidade fundada
O egípcio acômodo de livre servidão

Hipocrisia consentida é o que respiramos
E o amor se esvai por nossas mãos
Essa terra em que hoje nós pisamos
É o mar de cinzas da real extinção


VAGABUNDO

Antes que o lamento venha a ter vida
E as dores da vida, um encargo
O sol que brilha e nunca se definha
Ilumina o refugo de um grande enfado
O rio impiedoso de águas cinzentas
Reflete a face da bela tempestade
Que retumba com sua voz turbulenta
A dança das feras, a mera humanidade
Ferocidade não falta nas lâminas guiadas
Que alcançam a mortalidade dos ferozes
Que decidem o destino da vida criada
Que morrem sozinhos, mortes menores
De longe se vê o amor andar sozinho
Armadura errante sem um cavaleiro
Espada cortante de valor diamantino
Um escudo forjado no fogo verdadeiro
Mas a esperança avista todos os mortos
No vale escuro e coberto de sangue
Remodela a vida no corpo inóspito
E permanece viva àquele que a ame

O instinto é a sabedoria primitizada
O amor, o caminho para a sabedoria
Belas palavras e frases montadas
Não expressam o infinito que possui a vida


NEM SEMPRE A MARGEM É SÓLIDA

Inconspícuo, dou-me a mim.
Aqui, do olho do furacão,
O ébrio vórtice da multidão
Conserva-me só. Simples assim!

Plácido, sou eixo da destruição,
Insone estátua carmesim.
Do não, o amante; eco do sim,
A inconsciente desfibrilação,

Qual entusiasta do fim.
Escriba da lauda-destinação,
Potência e ato em rebelião,
Fera muda soprando o clarim.

Move-se furiosa a centrífuga mordaça.
Movimento é vida, ser arrastado é sinal de morte.


UM VELHO E NOVO MUNDO

Minhas mãos ainda se lembram
Da pele arrepiada que suas curvas vestiam,
Do seu cabelo (que elas quase arrancavam)
E dos quadris que elas (afoitas) dirigiam.

Nossos corpos ali ardiam!

Meus olhos revivem sempre
Sua beleza nua, pela meia-luz atenuada,
Seu olhar sacana de quem está amando,
Os dentes cravados no lábio, extasiada.

Ah! Éramos libidinosa balada!

Até seu perfume ainda me visita,
Um fragrante tom de desejo evaporado,
O cheiro do amor em lancinante luxúria
Revelando a conquista do céu infernizado.

Diabólicas rosas foram nosso jardim velado...

A constelação de sons ecoa em mim,
Sua voz fugidia me pedindo para te amar.
O fogo invisível daqueles gritos sem dor
Acendem ainda o pavio do meu fantasiar.

Da terra dos prazeres, éramos o mar.

Minha língua detém o seu sabor,
Daqueles absurdos e ardentes beijos,
Desbravadores do seu norte, seu sul,
Que percorriam seu corpo e a cravavam no meio.

Não partimos, um hiato é que veio.


ATO APÓCRIFO

Palco girante é o tempo
Que assiste toda misancene
Dirige com fogo, sem alento
A inverdade deste insolente

Atuo voraz, uma vã semente
Plantada no esquife do amor
Sou máscara da morte (ente)
Efígie de anjo trabalhador

São tantos atos e o torpor
E tão anã é a tal vida
Que a quimera do que sou
É inconsciência renascida

Das ruínas, foi o que sobrou
Execrável, terna e linda


AS ASAS DO NORTE

E naquele mar luminoso
Iridescente, ela era uma ilha
Meu gosto nadando em seu gosto
Era real ou minha fantasia?
À deriva, sem estrelas, nem dia
Seus olhos orientes, meu sol
Seu perfil, curiosa magia
Eu era a pesca e ela, o anzol

Sua beleza, um excelso farol
Curvilíneas formas de se perder
Seus sóis castanhos, meu arrebol
Uma boca impossível de não querer
De suas palavras, eu bebia prazer
O fazer amor no ato de decifrar
Sua doçura embriagava meu ser
Uma canção nascia em seu simples falar

Dimensões insistiam em nos separar
Mas éramos guerra e relutância
Chamas heráldicas a queimar
Exalando amor em fragrância
E o que é a distância,
Se não o condutor de nossos tatos,
Minha pele em sua dominância,
Meu beijo no calor do seu lábio?

Estamos juntos, isso nos é raro
Mas há uma energia que quer fluir
No toque urente do seu doce pecado
Reinaremos o plano do simples fruir
Disso não podemos fugir
Ainda que a terra adormeça
Ainda que o sol amarelo adoeça
Te incorporar, é meu real porvir